El conocimiento, la voluntad, el error y la duda en el Derecho penal

AuthorJacson Zilio
ProfessionCatedrático de Derecho penal de la Universidad Federal de Paraná
Pages183-196
183
Conhecimento, vontade, erro e dúvida no direito
penal
Dr. JaCson zilio*
Dedico este artigo ao Professor Doutor JUAN TERRADILLOS BASOCO,
amigo de boas conversas, penalista renado e politicamente comprometido
com um outro mundo possível, sem qualquer forma de opressão.
SUMÁRIO
1. Considerações gerais sobre os fundamentos da imputação subjetiva
2. O dolo tipológico
3. O erro
4. A dúvida
4. Conclusões para o m da visão cartesiana da mente no direito penal:
por um conceito lológico de dolo
5. Referências bibliográcas.
1. Considerações gerais sobre os fundamentos
da imputação subjetiva
No direito penal, o tipo de injusto e a culpabilidade exigem, respecti-
vamente, que o autor conheça as circunstâncias de fato (conhecimento
atualizado) e a antijuridicidade da ação (conhecimento atualizado).
A ausência desses conhecimentos dá nascimento, no âmbito do tipo
legal, ao chamadoerro de tipo e, no âmbito da culpabilidade, ao erro
de proibição. O erro é, portanto, sempre, a falta ou defeito de conheci-
mento, a falsa representação ou a suposição equivocada da realidade,
* Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Promotor de
Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná e Doutor em Direito Pe-
nal pela Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha. jacsonzilio@
me.com
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ou simplesmente a ignorância, das circunstâncias de fato (erro de tipo),
ora da antijuridicidade da ação (erro de proibição).1
Uma das dimensões mais importantes do princípio geral da culpa-
bilidade, que constitui ainda hoje uma pedra fundamental do direito
penal, é a exigência da relação subjetiva entre o autor do fato e o resul-
tado de violação do bem jurídico. O princípio da culpabilidade possi-
bilita a imputação subjetiva porque só pessoas conhecem, produzem
e dirigirem resultados no mundo exterior. Ainda que empiricamente
o dano seja sempre igual, ainda que o desvalor do resultado seja o
mesmo, num sentido sócio-pessoal e até mesmo desde a perspectiva
da vítima está mais do que claro que o dano doloso é mais grave que
o imprudente, porque quem conhece e sabe controla o perigo ao bem
jurídico.2
Com o desenvolvimento da teoria nal da ação, a partir princi-
palmente das contribuições de HANS WELZEL, o dolo apresentou-se
como saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito. O dolo
portava uma função nal-objetiva expressada na vontade de realização
do tipo.3 O lado objetivo retratava um “acontecimento externo” dirigi-
do pelo lado subjetivo consistente nos “elementos internos do agente”.
Ainda que KAUFMANN tenha mesclado esse dado ontológico (na-
lidade) com uma certa objetivação concentrada na determinação do
dolo -não existiria dolo no caso de evitação de lesão ao bem jurídico,
quando se tinha domínio do fato- o certo é que para o nalismo o dolo
segue uma concepção puramente natural.4
Isso não representava, contudo, nenhum problema jurídico aparen-
te, muito pelo contrário: graças ao pensamento aristotélico ancorado
1 MUÑOZ CONDE, Francisco, El error en Derecho Penal, Buenos Aires, Ru-
binzal, 2003, p. 13.
2 HASSEMER, Winfried, Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una
teoría de la imputación en Derecho penal, trad. de Francisco Muñoz Conde
e María del Mar Díaz Pita, Valencia, Tirant lo blanch, 1999, p. 107.
3 WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, trad. De Juan Bustos Ramírez e Ser-
gio Yánez Pérez, Santiago de Chile, Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 77.
4 KAUFMANN, Armin, Der dolus eventualis im Deliktsaufbau . Die Auswirkun-
gen der handlusngs- und der Schuldlehre auf die Vorsatzgrenze, em ZStW
70, 1958. Em espanhol, El dolo eventual en la estructura del delito. Anuario
de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, v.2, n. 13, p. 185-206, mayo-
agosto, 1960.
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na nalidade, o nalismo brindou o direito penal com um sistema ra-
cional de imputação, que se mantém até hoje pelo menos no ponto da
retirada do dolo e da imprudência como formas de culpabilidade.
De fato, desde o momento em que a ação e a omissão não podem
governar processos causais cegos, mas sim e apenas aqueles orienta-
dos para uma nalidade, não tem mais nenhum sentido situar o dolo
e a imprudência na culpabilidade. Aqui parece existirum consenso:
as únicas duas formas de imputação subjetiva pertencem ao tipo de
injusto.5
2. O dolo tipológico
Na dogmática penal contemporânea, a corrente majoritária tem de-
nido o dolo como consciência e vontade de realizar o tipo objetivo
de um delito. Esse conceito unitário de dolo vem baseado em dois
elementos básicos, que são o conhecimento e a vontade.
(i) O conhecimento, como elemento intelectual do dolo, sugere que
o autor saiba o que realmente faz. O autor deve conhecer as circuns-
tâncias de fato, o que não signica que deva conhecer as proibições do
Direito. Esse elemento intelectual do dolo dirige-se aos elementos fáti-
cos que objetivamente são retratados no tipo objetivo do delito doloso:
sujeito, conduta, resultado, relação causal, imputação objetiva, objeto
material, etc. Nesse sentido, só o conhecimento em sentido psicológi-
co gera domínio sobre a realização do fato, domínio esse que, segundo
alguns, justicaria então uma punição mais severa na medida em que
aumentam as necessidades de prevenção.
Por óbvio, esse conhecimentodeve ser atual, é dizer, deve estar pre-
sente no momento da ação, ainda que não seja um conhecimento exa-
to. Por isso é que o lado inverso do conhecimento é o erro, que afasta
consequentemente o dolo, não por mera disposição legal, mas sim por
5 Isso não signica dizer que há consenso em relação ao elemento subjetivo.
Basta pensar – sem recorrer aos problemas mais sérios do direito penal in-
glês (absolute liability e strict liability) ou norte-americano (wilful ignorance)
– na teoria da imputação objetiva e nas novas formas de criminalização do
moderno direito penal. Sobre essa crise e seus paradoxos, veja-se CANCIO
MELIÁ, Manuel, Crisis del lado subjetivo del hecho, em Estudios de Derecho
Penal, Lima, Palestra, 2010, pp. 153-179.
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raciocínio lógico: se o sistema legal exige conhecimento, então não
pode ser irrelevante o erro.
(ii) A vontade, que pressupõe o conhecimento porque ninguém tem
vontade de algo que não conhece, é o elemento volitivo do dolo. Para
agir com dolo não basta conhecer os elementos objetivos do tipo, mas
sim querer realizá-los. Daí porque o elemento volitivo supõe uma von-
tade incondicionada de realizar algo. O autor só pode querer aquilo
que está dentro das suas possibilidades, porque do contrário não seria
vontade, mas desejo. Querer pressupõe agir; desejo pressupõe inati-
vidade. Quem quer algo se movimento em direção ao resultado, ao
passo que quem apenas deseja espera o resultado.
O direito penal tem classicado o dolo de acordo com a maior ou
menor intensidade dos elementos básicos (intelectual e volitivo). Mais
intensidade, dolo direto; menos intensidade, dolo eventual.
(a) O dolo direto comumente vem estudado em dois graus de in-
tensidade, ainda que, na xação da pena, não apresente signicativas
diferenças: o dolo direto de primeiro grau (intensidade forte) e o dolo
direto de segundo grau(intensidade mediana).
No dolo direto de primeiro grau o autor conhece as circunstâncias
de fato (domina aquilo que ele está pronto a realizar) e quer realizar
o resultado (nos delitos de resultado) ou a ação típica (nos delitos de
mera atividade). Se o autor tem apenas vontade e não conhece, não
domina a realização do tipo, não existe dolo direto de primeiro grau (p.
ex., o caso Thyren, em que o leigo efetua, com uma pistola normal, um
disparo a uma enorme distância em direção à pessoa que ele deseja
matar).6 O importante aqui, mais do que nada, segundo o pensamento
dominante, é o conhecimento seguro do resultado, que aponta para
um conclusão conável de decisão contra o bem jurídico.7
Por outro lado, no dolo direto de segundo grau o autor não quer
diretamente as consequências que estão aliadas à produção do re-
sultado, mas admite que são necessariamente unidas a esse resultado
principal buscado. Para consistir em dolo direto, é preciso que essas
consequências sejam previsíveis, necessárias ou seguras. As diferenças,
6 GRECO, Luís, Dolo sem vontade,em DIAS, Augusto Silva e outros (coords.).
Liber Amicorum de José de Sousa Brito em comemoração ao 70o Aniversá-
rio, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 885 e seguintes.
7 HASSEMER, Winfried, op. cit., p. 137.
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portanto, entre esses dois graus de dolo direto não residem no elemen-
to cognitivo, mas sim no volitivo, que não necessariamente possuem
valorações penais distintas. Um exemplo clássico é o casoThomas:um
indivíduo estadunidense que vivia na Alemanha no começo de de-
zembro de 1875 praticou uma fraude para receber valores de seguro
que implicou em uma série de mortos. Segundo consta, William King
Thomas, que na verdade se chamava Alexander Keith, embarcou em
Bremerhaven num contêiner no navio Mosel, que faria o trajeto de lá
até New York, com escala em Southampton. No contêiner, Keith dei-
xou armada uma bomba que deveria explodir no meio da travessia do
Atlântico, destruindo a carga pela qual ele receberia o valor do seguro.
A bomba efetivamente explodiu, destruindo a carga e matando oitenta
e uma pessoas, além de provocar sérios danos no casco e na cabina
da embarcação. Apesar do fato de que o objetivo era fraudar o seguro,
Keith representava como certa ou necessária a morte da tripulação e
de passageiros.8 Portanto, em relação aos tripulantes que morreram,
o autor tinha dolo direito de segundo grau.
(b) Por m, o dolo eventual constitui, por razões de política criminal,
uma espécie de dolo em que o querer não aponta diretamente ao resul-
tado. Na realidade, não é o dolo eventual, mas o resultado, advindo da
conhecimento e do querer, que é eventual. O dolo é sempre certo e o
que é eventual é o resultado.9 Nessa forma de dolo, o autor representa
o resultado como provável e, embora não o queira diretamente, ad-
mitindo sua eventual produção, segue atuando. O dolo eventual porta
também um aspecto cognitivo como volitivo: se de um lado o autor de-
veconhecer o perigo da realização do tipo ao bem jurídico, por outro
lado deve conformar-se (em um sentido jurídico) com essa possibilida-
de. Em outras palavras: o autor deve levar a sério o perigo e contar in-
clusive com um resultado indesejado caso insista na decisão prévia de
8 Sobre esse caso, no Brasil, conra-se BUSATO, Paulo César, Direito Penal,
Parte Geral, São Paulo, Atlas, 2a ed., 2015, p. 420.
9 ROXIN, Claus, Strafrecht. 4. ed. München, AT, 2006, p. 447: “Denn der
Vorsatz als planverwirklichender Handlungswille ist gerade nicht „bedingt“,
sondern vielmehr unbedingt, da der Täter auch um den Preis der Tatbestands-
verwirklichung (also „unter jeder Bedingung“) sein Vorhaben ausführen will.
Lediglich der Erfolgseintritt, nicht der Vorsatz, ist von ungewissen Bedingun-
gen abhängig”.
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contrariar a norma. Como ensina JESCHECK, o decisivo é o seguinte:
no dolo eventual o autor introduz o resultado secundário não desejado
nas bases da sua decisão.10 Por isso parece dominante, nesse aspecto,
a posição clara de ROXIN: o dolo eventual é a “vontade de ação reali-
zadora de um plano” e caracteriza-se pela “decisão pela possível lesão
de bens jurídicos”, é dizer, o resultado possível deve ser incluído den-
tro da realização do “plano do autor”, deve estar nos seus “cálculos a
realização do tipo reconhecido pelo autor como possível, contra o bem
jurídico protegido por esse tipo correspondente”.11 A conança de que
o resultado não vai ocorrer, como diz ROXIN, ainda que seja uma mera
esperança, não permite chegar a uma “decisão contra o bem jurídico
protegido”.12 Em suma: o autor deve levar a sério a possibilidade do
delito (elemento cognitivo) e conformar-se com essa possibilidade (em
um sentido jurídico, como decisão contra o bem jurídico), ainda que
não deseje ou goste (elemento volitivo).Um exemplo real pode ser o
caso dosmembros do ETA, comentado por GIMBERNAT, que abando-
naram um carro com explosivos no estacionamento do supermercado
Hipercor de Barcelona, às duas horas da tarde. Às três horas um deles
telefonou para a Guarda Urbana de Barcelona comunicando que às 3h
e 30min se produziria uma explosão. A polícia e a equipe de segurança
do supermercado não acharam conveniente esvaziar o local e não lo-
graram encontrar os explosivos. A bomba explodiu, matou 21 pessoas
e deixou inúmeras outras feridas gravemente.13
3. O erro
Em tema de erro, o direito penal tem superado a antiga separação
entre erro de fato e erro de direito. A diferença agora se estabelece
entre o erro de tipo e o erro de proibição e está situada na consciência
da antijuridicidade. Enquanto que o erro de tipo afasta o conhecimento
das circunstâncias de fato e, logo, o dolo como elemento subjetivo do
10 JESCHECK, Hans-Henrich, Tratado de Derecho penal. Parte general, trad.
de Santiago Mir Puig e Francisco Muñoz Conde, vol. 1, Barcelona, Bosch,
1981, p. 408.
11 ROXIN, Claus, op. cit., p. 446.
12 ROXIN, Claus, op. cit., pp. 446-447.
13 GIMBERNAT ORDEIG, Estudios de Derecho Penal, Madrid, Tecnos, 1990,
p. 39.
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tipo legal, o erro de proibição deixa intacto o dolo, mas afeta o conhe-
cimento da antijuridicidade, que integra a culpabilidade.
(i) O erro de tipo, como defeito de conhecimento do tipo legal, tem
duas consequências: se inevitável, exclui o dolo (conhecimento e von-
tade do tipo objetivo) e a imprudência; se evitável, exclui o dolo, mas
permite a punição por delito imprudente, se existente.
Como se sabe, o erro de tipo pode ter como objeto qualquer ele-
mentodescritivo ou normativo do tipo objetivo. O conhecimento desse
elemento descritivo se faz pela simples percepção sensorial das cir-
cunstâncias descritivas do fato. Já o elemento normativo é conhecido
por meio de compreensão intelectual, como acontece na valoração de
“coisa alheia” no furto, por exemplo.
O conhecimento efetivo das circunstâncias de fato tem também um
certo grau de intensidade: não se exige conhecimento reetido (pensar
expressamente no elemento objetivo do tipo), nem um conhecimen-
to potencial (no sentido de um conhecimento latente não atualizado),
mas sim uma consciência implícita no contexto das representações do
autor, segundo a fórmula da co-consciência:por exemplo, no furto de
mercadorias em lojas comerciais, a consciência do caráter alheio da
coisa permeia o conjunto das representações do autor.
A compreensão intelectual, entretanto, não pressupõe uma subsun-
ção perfeita ao tipo, porque basta o “signicado social” do fato incri-
minado. Portanto, a valoração que se faz do elemento normativo dá-se
de forma “paralela na esfera do profano”, como diz MEZGER, “una
apreciación de la característica del tipo en el círculo de pensamientos
de la persona individual y en el ambiente del autor, que marche en
la misma dirección y sentidoque la valoración legal-judicial”.14 Ob-
jeto do dolo não é o conceito jurídico ou a antijuridicidade da ação,
mas sim o signicado social dos fatos externos. Se o objeto do dolo
consiste no conhecimento das circunstâncias que pertencem ao tipo
legal (objetivo), então qualquer defeito de formação intelectual sobre a
ação, o objeto da ação, o resultado, a qualidade do autor, a relação de
causalidade etc., representam sempre uma forma de erro de tipo. Em
apertada e singela síntese:em direito penal, o erro de tipo pode ocorrer
14 MEZGER, Edmund, Tratado de Derecho penal, 2° ed. alemã (1933), tomos I e II,
trad. de José Arturo Rodríguez Muñoz, Madrid, Editorial Revista de Derecho
Privado, 1935, pp. 148-149.
ConheCimento, vontade, erro e dúvida no direito penal
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pela falsa representação e por ausência de representação de qualquer
elemento (descritivo ou normativo) do tipo objetivo.
(ii) Por regra geral, o erro de proibição acontece quando o autor
não tem consciência do ilícito, mas só conhecimento do fato. Se falta
inclusive esse conhecimento de fato, mesmo de uma circunstância de
fato justicante, o caso é de erro de tipo e não erro de proibição. Em tal
situação há afastamento do dolo e da imprudência (se inevitável) e pu-
nição por delito imprudente, se evitável e previsto. Mas uma vez pre-
sente o conhecimento das circunstâncias fáticas, podem acontecer três
situações: uma, o autor não tem conhecimento da norma transgredida,
porque a conduta não lhe parece proibida (erro de proibição direto);
duas, o autor sabe que seu comportamento viola uma norma, mas su-
põe erroneamente que concorre uma causa de justicação não prevista
em lei ou erra sobre o alcance dessa justicação (erro de proibição
indireto ou erro de permissão); três, o autor erra na representação de
uma situação justicante realmente existente (erra sobre a verdade do
fato) (erro de tipo permissivo).
Se a consciência da ilicitude faz parte ou não do dolo, parece ser
algo bem resolvido por duas teorias fundamentais: de um lado teoria
do dolo arma que a consciência da ilicitude é pressuposto do dolo e,
portanto, sua ausência deve ser tratada como erro de tipo, na estrutura
e na consequência: o erro afasta o dolo e permite a imprudência, se
prevista; de outro lado, a teoria da culpabilidade, defendida sobretudo
pelos nalistas, arma que a consciência do ilícito integra a culpabili-
dade e só conhecimento do fato integra o dolo. A ausência de conhe-
cimento do injusto afasta a culpabilidade no caso de inevitabilidade e
a reduz no caso de evitabilidade.
Embora a teoria da culpabilidade tenha dupla variante - a teoria
extremada e a teoria limitada - esta última tem prevalecido assim: a) o
erro de proibição direto, que tem como objeto a lei penal, considera-
da do ponto de vista da existência, validade e signicado da norma,
exclui ou reduz a reprovação de culpabilidade; b) o erro de proibição
indireto ou erro de permissão, que tem como objeto os limites jurídi-
cos de uma causa de justicação legal ou a existência de uma causa de
justicação não prevista em lei, também exclui ou reduz a reprovação
de culpabilidade; c) o erro de tipo permissivo, que tem por objeto os
pressupostos objetivos de justicação legal, exclui, por analogia ao
erro de tipo, o dolo, mas permite a punição por delito imprudente, se
previsto. Portanto, a consciência da ilicitude continua sendo elemen-
to autônomo da culpabilidade e sua exclusão não afeta o dolo, nada
obstante essa teoria “se restrinja” para aceitar a exclusão do dolo: na
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estrutura o erro de tipo permissivo é erro de proibição e na consequên-
cia é um erro de tipo.
Por m, o direito penal tem evoluído bastante no tema da evitabili-
dade ou não do erro de proibição. A evitabilidade do erro de proibição
determina-se por alguns parâmetros: pelo esforço de consciência para
conhecer o ilícito do fato, pela reexão ou pelo dever de informar-se.
4. A dúvida
Diferentemente dessas problemáticas, o problema de conhecimento
virtual da antijuridicidade apresenta pontos relacionados com a traje-
tória vital do autor (por exemplo, por ser de outra cultura) e com as
circunstâncias externas (por exemplo, por ter recebido uma assessoria
jurídica incorreta).15 Se o sujeito não sabe nem poderia saber que sua
ação viola normas jurídicas, não existe culpabilidade por ausência de
reprovação.
Na verdade, nessa forma de erro de proibição, não se tratade não
saber o que faz, mas sim de não saber que o que faz é proibido. Daí
que a regra de que a ignorância da lei não exime de responsabilidade
é obsoleta. Essa regra, de origem romana (error iuris nocet), que du-
rante o século XIX foi incorporada em inúmeros códigos penais, era
até justicada porque o direito penal estava limitado as infrações mais
elementares, geralmente praticadas dentro dos próprios países. Nas cir-
cunstâncias antigas, de proteção do núcleo duro dos valores sociais,
era muito raro que alguém ignorasse o conteúdo da lei penal. Mal se
podia falar de ignorância escusável. Mas desde que a lei penal excedeu
esse núcleo das normas sociais elementares e atravessar fronteiras fez
parte do cotidiano de inúmeras pessoas, a regra de que o erro de proi-
bição não exonera o autor porque é inescusável mudou para uma regra
distinta: o erro de proibição não exonera o autor quando é inescusável.
Essa posição só foi tomada pela jurisprudência na Alemanha após a
Segunda Guerra Mundial, em 1952.
Sem embargo, hoje ainda restam algumas dúvidas no que se refere
ao objeto que o sujeito realmente tem que saber para ter conhecimento
15 LEITE, A laor, Dúvida e erro sobre a proibição: a atuação nos limites entre o
permitido e o proibido, São Paulo, Atlas, 2013.
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da proibição. JESCHECK fala de que é suciente conhecer a antijuri-
dicidade material: basta que o autor considere seriamente a antijuridi-
cidade de seu comportamento e se conforme com a possibilidade de
vulnerar Direito.16 Já OTTO, por exemplo,sustenta que basta saber da
punibilidade do fato.17 ROXIN exige um conhecimento da antijuri-
dicidade concreta, como conhecimento da especíca lesão do bem
jurídico compreendido no tipo legal respectivo. O certo é que não
é suciente o conhecimento da imoralidade da ação, nem o conheci-
mento da punibilidade, muito menos as convicções religiosas, morais
ou políticas podem afetar a consciência do ilícito. O que se exige é
o conhecimento do ilícito de fato, numa “valoração correspondente ao
mundo intelectual do autor”. Portanto, conhecer a norma cuja valo-
ração se reprova é suciente, sem analogia ao conhecimento do dolo.
A consciência eventual do ilícito, segundo posição dominante,
equipara a dúvida ao conhecimento da ilicitude e, portanto, não afasta
a culpabilidade.18 O sujeito, no caso de dúvida, deve fazer um esforço
de consciência, reetir e obter informação. Se não faz isso, a dúvida
equipara-se ao conhecimento do injusto e, portanto, não se afasta a pu-
nição pelo erro de proibição. A única exceção à regra da punição com-
pleta da dúvida sobre a proibição se refere a deveres jurídicos que se
autoexcluem: por exemplo, o funcionário público que, se atua, como
um ilícito penal qualquer e, se omite, comete delito funcional.
Porém tem crescido a posição que defende que a dúvida é um caso
de erro de proibição e que o problema deve ser resolvido pela questão
da evitabilidade ou não, se resulta possível ao autor alcançar a certeza
da regulação jurídica. Dois critérios de BINDING seriam ainda hoje
válidos: clareza das ordens emitidas e atuação dentro dos limites da
dúvida sobre a proibição.19 Quatro situações, bem esclarecidas entre
nós por ALAOR LEITE, indicariam que a dúvida sobre a proibição não
16 JESCHECK, Hans-Henrich, op. cit., pp. 624-625.
17 OTTO, Der Vorsatz, Jura, 1990.
18 Cf., por todos, SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, Observaciones sobre el cono-
cimiento “eventual” de la antijuridicidad, in Consideraciones sobre la teoría
del delito, Buenos Aires, Ad-Hoc, 1998, pp. 259-281.
19 BINDING, Karl, La culpabilidad en Derecho penal, trad. Manuel Cancio-
Meliá, Buenos Aires/Montevideo, Editorial B de F, 2009; BINDING, Karl,
Handbuch des deutschen strafrechts, 1885. Sobreissoveja-se LEITE, Alaor,
op. cit., pp. 40-53.
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pode mais se equiparar ao conhecimento: a) erro sobre a validade da
lei penal; b) erro de proibição indireto; c) decisão de praticar o fato
após busca de informação jurídica; d) decisão baseada em jurisprudên-
cia contraditória, inconclusiva ou mesmo inexistente.20
5. Conclusões para o m da visão cartesiana da mente
no direito penal: por um conceito lológico de dolo
Ainda que seja num sentido diferente, o conceito signicativo de
dolo (volitivo e normativo) também tem aportado importantes con-
tribuições na teoria da imputação subjetiva. Apesar de também com
razão negar qualquer utilidade da teoria psicológica do dolo, VIVES
ANTON propõe que o dolo seja entendido como “domínio de uma
técnica” (conhecimento) e vontade como “compromisso de atuar”.21
O dolo pressupõe o domínio de uma técnica e consiste no compro-
misso de atuar como aspecto normativo. Esse compromisso de atuar é
determinado por regras sociais e jurídicas que denam a ação como
típica e por fatores externos.
Nesse ponto, aliás, é útil a tese dos indicadores externos da conduta
de que trata HASSEMER, que possibilitaria avaliar a bagagem de con-
hecimentos do autor (as técnicas que dominada, que poderia ou não
prever e calcular) e entender as intenções expressadas na ação.22
Esses indicadores estão na razão do dolo em três níveis: a situação
perigosa, a representação do perigo e a decisão a favor da ação pe-
rigosa. O dolo é o resultado de uma atribuição de responsabilidade
por uma decisão a favor do injusto, constatada não numa linguagem
coloquial, mas sim por indicações operativas. Possui, portanto, um as-
pecto interno e um aspecto que se refere ao acontecer externo. A base
segue residindo na vontade e representação da pessoa e não no exter-
no. O interno é deduzido pelo lado externo. Não basta, portanto, o
mera representação do perigo da ação. É preciso possuir a informação
do perigo para o bem jurídico e aceitá-la, admiti-la, querê-la, como
“ato de autoarmação frente ao mundo”. Essa conformidade não é um
20 LEITE, Alaor, op. cit., pp. 98-120.
21 VIVES ANTÓN, TOMÁS S., Fundamentos del Sistema Penal, Valencia, Tirant
lo blanch, 1996.
22 HASSEMER, Winfried, op. cit., pp. 151-152.
ConheCimento, vontade, erro e dúvida no direito penal
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sentimento, nem precisa de uma reexão positiva, mas sim é um dado
jurídico.23
Para HASSEMER, o dolo se pode explicar por condições estritas
e precisas, porque consiste numa disposição, ou seja, numa atitude
interna não observável de forma imediata. O dolo é a sua prova e
a prova é compreensão, interpretação do sentido, do signicado do
atuar doloso. Se o dolo é uma decisão a favor da lesão ao bem jurí-
dico, de assunção pessoal do injusto típico, que é inacessível inter-
namente, então só pode ser investigado por indicadores externos de
caracterização. Como elemento dispositivo inacessível que é, o dolo
só pode ser caracterizado por indicadores que se desenvolvem sobre
dados observáveis (indicadores observáveis nos elementos externos do
fato), plenos (indicadores observáveis devem ser completos (plenitude)
no conceito dispositivo) e relevantes (deve subministrar algum aporte
ao dilema da constatação de situações não observáveis). Ainda que
os indicadores nunca sejam únicos e o catálogo seja diferenciado e
complexo, a existência do dolo como decisão a favor do injusto típico
supõe: a) situação de perigo (externo, que possui dados observáveis,
como periculosidade objetiva, p. ex., força destrutiva de uma bomba,
distância do objeto, zona do corpo atingida, etc.); b) representação do
perigo (interna), como, por exemplo, a visibilidade do êxito (presença
no lugar do fato, proximidade espacial do objeto), a capacidade de
percepção, complexidade ou simplicidade da situação, etc.; decisão
(interna) a favor da realização do perigo reconhecido, como, por exem-
plo, as condutas ativas de evitação, probabilidade de autolesão, in-
capacidade física, juventude, comportamento anteriores em situação
similar, indícios de vínculos afetivos entre delinquente e vítima, etc.24
Enm, em tema de imputação subjetiva no direito penal, asteses
volitivas e cognitivasutilizam expressões de linguagem coloquial enão
aportam nada sobre as condições de aplicação dos elementos do dolo.
O dolo é apenas um ato dispositivo, interno, que não pode ser compro-
vado sem indicadores externos dele deduzidos.A tese dos indicadores
23 Nesse sentido caminham os trabalhos de BUSATO, Paulo César, MARTÍ-
NEZ-BUJÁN PEREZ, Carlos e DÍAZ PITA, María del Mar, in Modernas Ten-
dências sobre o Dolo em Direito Penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008.
Veja-se também DÍAZ PITA, María del Mar, El dolo eventual, Valencia,
Tirant lo blanch, 1994.
24 HASSEMER, Winfried, op. cit., p. 152.
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externos da conduta de HASSEMER, ao deduzir objetivamente o in-
terno do externo, contribui para fortalecer uma dogmática livre de
conceitos metafísicos e de estruturas lógico-objetivas pré-existentes e
vinculantes, os quais impedem um sistema de imputação discursivo
que permita as pessoas construírem a realidade social em que vivem.25
6. Referências bibliográcas
Busato, Paulo César, Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, Atlas, 2a ed.,
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