Evolução do controle de constitucionalidade no sistema jurídico brasileiro

AuthorEdilson Pereira Nobre Júnior
ProfessionProfessor da Faculdade de Direito do Recife UFPE
Pages71-96
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Evolução do controle de constitucionalidade
no sistema jurídico brasileiro*
Edilson PErEira nobrE Júnior**
Sobre os objetivos deste escrito
A caminhada para a supremacia da constituição é longa, sendo feita, de for-
ma paulatina, com passos para o futuro, mas que, em nenhum momento, des-
prezam o passado, no qual, alternando-se a calmaria e a turbulência, foi travada
a luta –eterna, aliás– de Sísifo.
Daí que, em se considerando que o Estado constitucional é indissociável do
respeito à Constituição, afigura-se de importância que se proceda a uma inves-
tigação, considerada a escolha de um sistema jurídico específico, qual seja aqui
o brasileiro, e doravante se analise como se desenvolveu –e vem se desenvolven-
do– o controle de constitucionalidade.
Com isso, torna-se possível examinar a relação entre o tempo, o texto e a
realidade constitucional. É que o sentido das normas –e as da Constituição, em
face de seu colorido político– é fixado, e tem os desdobramentos, de acordo com
uma base cultural, a qual não é estática. O ambiente constitucional (l’air du
temps), portanto, é essencial.
Não se olvidará, na execução da tarefa, a observação de Paulo bonavidEs,
para quem os textos constitucionais, quando elaborados numa mesma época,
bem assim com lastro nos mesmos ideais, guardam semelhanças. Eis, a respei-
to, as palavras do mestre: “As Constituições são como dinastias: têm as suas
linhagens. De tal sorte que seus troncos se ramificam por distintos Estados no
* Inédito, este escrito condensa substancialmente exposição do seu autor, no dia
10 de setembro de 2015, no I Simpósio Brasil-Cuba de Derecho Público, o qual
teve lugar no Salão de História da Faculdade de Direito da Universidade de
Havana, Cuba.
** Professor da Faculdade de Direito do Recife (UFPE), instituição na qual cur-
sou Mestrado e Doutoramento em Direito Público. Desembargador do Tribunal
Regional Federal da Quinta Região. Segundo ocupante da Cadeira Dezesseis da
Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte (ALEJURN).
Evolução do controlE dE constitucionalidadE no sistEma jurídico brasilEiro
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tempo e no espaço. Conservam um parentesco, quase sempre de carácter ideo-
lógico comum, que faz levantar do solo político, onde deitam as suas raízes, a
árvore constitucional da liberdade e das competências dos poderes limitados”.1
De igual maneira, a imbricação inexorável entre texto e realidade, antes
ressaltada, impõe que a análise se espraie além do conteúdo semântico das nor-
mas de cada fase constitucional, visto isoladamente, reclamando a menção a
situações onde o enunciado posto diante do intérprete implicou no reconheci-
mento da superioridade deste, em virtude da riqueza de seu potencial interpre-
tativo. De conseguinte, ganham relevo as inovações que fez a jurisprudência no
desenvolvimento dos comandos constitucionais.
A sorte, pois, está lançada!
No início, uma ausência de controle?
O escritor, na atenta observação do mundo ao seu redor, retrata fatos, cir-
cunstâncias, lugares, tais como os vivenciou. Não nos surpreende, portanto, que
naquela que porventura foi a sua última crônica política, publicada na coluna “A
Semana”, editada pelo jornal Gazeta de Notícias, no dia 13 de dezembro de 1896,
e que mereceu reedição pelo Senado Federal,2 Machado dE assis tenha enfa-
tizado, a propósito de discussão sobre a aprovação de tributos a serem pagos
pelas companhias teatrais, mais precisamente sobre a distinção de tratamento
ou igualdade tributária entre as companhias nacionais e estrangeiras, que re-
ferida arte teatral não era propriamente brasileira nem estritamente francesa,
mas sim franco-brasileira, da mesma forma que a língua por ela utilizada não
poderia se atribuir exclusivamente a voltairE nem inteiramente a alEncar,
consistindo num terceiro organismo feito com partes de ambas.
Esse traço, extraído da literatura, pode ser compreendido de forma mais
ampla, a demonstrar a enorme influência que, entre nós, a cultura granjeou no
século XIX. Isso nos mais diversos segmentos, sendo marcante aquela que se
verificou em nossas instituições jurídicas e políticas.
Octacílio alEcriM3 afirma e realça esse influxo, principiando por dizer que
decorreu pelo fato de que no Brasil, ao final do período colonial, o estudo da
ciência política era praticamente algo desconhecido, seja porque aqui não havia
uma só tipografia, ou mesmo uma universidade, mas também porque a vigi-
lância real, na defesa do absolutismo, impedia qualquer manifestação livre de
1 bonavidEs, Paulo: “Constitucionalismo luso-brasileiro: influxos recíprocos”, in
Miranda, Jorge (org.): Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de
1976, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, vol. I, pp. 48-49.
2 Machado dE assis: O velho Senado, Senado Federal, Brasília, 2004, pp. 71-78.
3 alEcriM, Octacílio: Ideias e Instituições no Império – Influências Francesas, Jornal do
Comércio, Rio de Janeiro, 1953, pp. 18-51 e 103-119.

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