Repensando a interpretação das leis processuais civis

AuthorBruno Novaes Bezerra Cavalcanti
ProfessionEspecialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco
Pages397-416
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Repensando a interpretação
das leis processuais civis
Bruno novaes Bezerra CavalCanti*
Colocando o problema
De passagem por Madri há algumas semanas atrás, travei contato com o
Derecho Procesal I. Introducción escrito pelo Professor Catedrático da Universi-
dade de Barcelona Jordi nieva Fenoll. Quando a leitura começava a embalar,
me deparei com o seguinte trecho acerca da interpretação das leis processuais:
“...la interpretación de las leyes procesales no difiere de la de cualquier otra ley. Pero
debe tenerse un extremo cuidado y control sobre ellas para que las mismas no
acaben deviniendo inútiles por culpa del uso forense y de la juriprudencia”.1
Durante o resto da viagem, minha cabeça não descansava, de alguma for-
ma, ainda que intuitiva, não conseguia concordar com a afirmação de que a
interpretação das leis processuais não difere da interpretação das demais leis.
Ora, pensava eu, a interpretação das leis materiais não pode ser feita da mesma
maneira que a interpretação das leis processuais, são normas distintas, com
objetivos distintos. Resolvi deixar a questão de lado até o retorno ao Recife.
De volta ao escritório, abri o tradicional livro de Teoria Geral do Processo
dos Professores Antônio Carlos de aráujo Cintra, Ada Pellegrini grinover
e Cândido rangel DinamarCo para saber sua opinião sobre a interpretação das
leis processuais civis. Para minha surpresa, encontrei no manual as seguintes
lições: “A interpretação e a integração da lei processual estão subordinadas as mesmas
regras que regem a interpretação e a integração dos demais ramos do direito (...) as
peculiaridades da lei processual não são tais que sigam a utilização de cânones es-
peciais de interpretação: bastam que sejam perquiridas e reveladas, levando em
consideração as finalidades do processo e sua configuração sistemática. Daí o
entendimento prevalecente entre os processualistas no sentido de acentuar a
relevância da interpretação sistemática da lei processual. Os princípios gerais
* Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) com MBA em Direito Empresarial pela FGV, Mestre em Direito Privado pela
UFPE e Doutorando em Direito Processual Civil pela UNICAP-Universidade Católica
de Pernambuco.
1 nieva Fenoll, Jordi: Derecho Procesal I (Introducción), Marcial Pons, Madrid, 2014, p. 39.
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do processo, inclusive aqueles ditados em nível constitucional, estão presentes
em toda e qualquer norma de direito processual, e à luz dessa sistemática geral
todas as normas processuais devem ser interpretadas”.2
Os professores de São Paulo, como visto acima, entendem que a interpre-
tação da lei processual está adstrita às mesmas regras que regem a intepretação
dos outros ramos do Direito, mas dão um passo a frente em relação ao mestre
espanhol quando defendem a necessidade de uma interpretação sistemática em
observância aos princípios constitucionais do processo.
No Ceará, o professor José de alBuquerque roCha, seguindo a mesma lin-
ha defendida pelos pares de São Paulo, também defende a inexistência de uma
metodologia própria para a interpretação do Direito Processual: “se a inter-
pretação do direito é uma espécie desse gênero de atividade mental que cha-
mamos de hermenêutica, segue-se que a interpretação do direito processual não
apresenta particularidades dignas de nota, no quadro da interpretação jurídica. Desse
modo, não se deve supor que o direito processual exige um método particular
de interpretação, que fuja aos padrões convencionais da interpretação jurídica
em geral”.3
A pergunta persistia: normais processuais devem ser interpretadas de for-
ma distinta das demais normas do Direito? Em Cuba, Rafael grillo longoria
também se perguntava: “¿existen normas específicas para la interpretación del
derecho procesal?” e ele mesmo respondia: “la doctrina no ha elaborado una
teoría especial para la interpretación de las leyes procesales. Los códigos y leyes
procesales, en general, carecen de normas especiales de interpretación, aten-
diéndose a las que se sirven para las demás ramas del derecho”.4
Hans Kelsen, no capítulo sobre a interpretação da sua Teoria Pura do Di-
reito faz considerações interessantes sobre a interpretação, tangenciando o ob-
jeto do presente artigo. Vejamos: “a interpretação é, portanto, uma operação
mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de
um escalão superior para um escalão inferior. Na hipótese em que geralmente
se pensa quando se fala de interpretação, na hipótese de interpretação da lei,
deve responder-se à questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma
individual de uma sentença judicial ou de uma resolução administrativa, norma
essa a deduzir da norma geral da lei sua aplicação no caso concreto. Mas há
também uma interpretação da Constituição, na medida em que de igual modo
se trate de aplicar esta –no processo legislativo, ao editar decretos ou outros
2 De araujo Cintra, Antonio Carlos; Pellegrino grinover, Ada e Cândido rangel
DinamarCo: Teoria Geral do Processo, 31ª edição, revista e ampliada, RT, São Paulo,
pp. 132 e 133.
3 De alBuquerque roCha, José: Teoria Geral do Processo, 8ª edição, Atlas, São Paulo, 2006,
p. 61.
4 grillo longoria, Rafael: Derecho Procesal Civil I – Teoría General del Proceso Civil,
Ed. Félix Varela, La Habana, 2006, p. 23.

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