A Terceirização e os entendimentos Sumulados pelo Tribunal Superior do Trabalho no Brasil: aspectos históricos das alterações na forma de compreender juridicamente o fenômeno

AuthorMagda Barros Biavaschi/Alisson Droppa
ProfessionDesembargadora Aposentada do TRT4, Doutora em Economia Social e do Trabalho pelo Instituto de Economia da Unicamp/Doutorando em História Social/UNICAMP
Pages230-246
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A TERCEIRIZAÇÃO E OS ENTENDIMENTOS SUMULADOS PELO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS DAS
ALTERAÇÕES NA FORMA DE COMPREENDER JURIDICAMENTE O
FENÔMENO Magda Barros Biavaschi
150
Alisson Droppa151
1. Introdução
A Terceirização é uma das formas de contratar trabalhadores que mais avançou no
Brasil a partir dos anos 1990, sendo, hoje, prática corrente em quase todos os segmentos
econômicos das esferas pública e privada. Podendo expressar tanto um fenômeno interno
quanto externo ao contrato de trabalho152, vem sendo adotada como estratégia utilizada pelas
empresas para reduzir custos, partilhar riscos e aumentar a flexibilidade organizacional153. A
partir de 1990, houve maior pressão no sentido flexibilizador do mercado de trabalho. Nesse
contexto, ganhou maior dimensão o movimento de Terceirização da mão-de-obra.
Muitos têm sido os debates envolvendo economistas, operadores do direito,
empresários, trabalhadores, sociólogos, historiadores, sobre a Terceirização, focando-a no
cenário das transformações que se têm operado no mundo do trabalho a partir, sobretudo, da
década de 1990.154
No entanto, evidencia-se lacuna nos estudos sobre a postura da Justiça do Trabalho
diante das demandas envolvendo o tema da Terceirização, a qual as pesquisas que
fundamentam este artigo buscam suprir, fazendo uso, como fonte primária prevalente, dos
processos ajuizados perante algumas Juntas de Conciliação e Julgamento do País, JCJ, hoje
Varas do Trabalho, entre 1985 e 2000. Esse marco temporal foi adotado consideradas as
decisões sumuladas pelo TST: o Enunciado 256, de 1986, e a Súmula 331 do TST, de 1993,
alterada em 2000 para estender a responsabilidade subsidiária aos Entes Públicos que
terceirizam, revisitada em maio de 2011 para adequar o entendimento à decisão do Supremo
Tribunal Federal, STF, que, julgando a Ação Direta de Constitucionalidade proposta pelo
governador do Distrito Federal relativamente a artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal,
acabou por eximir esses Entes Públicos da responsabilidade quanto às obrigações
trabalhistas das terceiras inadimplentes. Em meio a esses estudos, a pesquisa acabou se
deparando com dinâmica específica que redundou na substituição do Enunciado 256 que, na
prática, coibia a forma de contratar em questão, pelo entendimento expresso na Súmula 331.
No Brasil, distintamente de outros países da América Latina, não há uma lei
específica para a Terceirização155. Por outro lado, as controvérsias e os conflitos de interesse
150 Desembargadora Aposentada do TRT4, Doutora em Economia Social e do Trabalho pelo Instituto de Economia da Unicamp,
IE/UNICAMP; Pós-doutora em Economia Social e do Trabalho pelo IE/UNICAMP; pesquisadora voluntária do CESIT/IE/UNICAMP;
Presidente do FORUM NACIONAL PERMANENTE EM DEFESA DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, período 2007-2010.
Email: magdabia@terra.com.br
151 Doutorando em História Social/UNICAMP. Email: alissondroppa@yahoo.com.br
152 Cf. VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato: um enfoque para além do Direito, 2006, mimeo.
153 Cf. KREIN, José Dari. As tendências recentes n a rela ção de emprego no Brasil: 1990-2005. Tese de doutoramento. IE/UNICAMP,
Campinas, 2007.
154 Márcio Pochmann, professor do IE/-UNICAMP, pesquisador licenciado do CESIT, Presidente do IPEA, coordenou a pesquisa sobre os
trabalhadores terceirizados. O texto: Terceirizaçã o e diversificação nos r egimes de contra tação de mão -de-obra n o Brasil, Campinas,
agosto de 2006, s.ed., d iscute os principais aspectos da Terceirização no Brasil, tendo como base de dados primários o IB GE [PNAD], e o
Ministério do Trabalho e Emprego [RAIS e CAGED]. Segundo o estudo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo
IBGE entre 1995 e 2004, demonstra que, considerado o total da ocupação no período, foram o s postos de trabalho terceirizados formais os
que mais cresceram. A Terceirização adicionou 2,3 milhões aos 6,9 milhões de empregos formais gerados no setor privado no período
pesquisado.
155 Sobre o tema ver: BALTAR, Paulo (coord.). A Terceir ização e a justiça do tra balho. Relatório Científico FAPESP. Campinas:
IE/UNICAMP, out./2009 e FALVO, J. Balanço da Regulamentação da Terceirização do trabalho em países selecionados da América
Latina. In: Revista da ABET. Campinas: Volume VIII, 2010.
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individuais e coletivos decorrentes das relações de trabalho são aqui julgados pelos Tribunais
e Juízes do Trabalho, cabendo ao TST uniformizar a jurisprudência. Daí as Orientações
Jurisprudenciais e as Súmulas que, conquanto não tenham força vinculante, acabam por
interferir e, até, de certa forma, por moldar uma linha prevalente nas decisões judiciais. Foi no
vácuo da lei que o TST normatizou a sobre essa forma de contratar; inicialmente, coibindo-a
[Enunciado 256]; mais tarde, em dezembro de 1993, legitimando-a em relação às atividades
não essenciais ao empreendimento econômico, definindo como subsidiária
156 a
responsabilidade da tomadora [Súmula 331]; em 2000, o TST estendeu essa responsabilidade
aos Entes Públicos que contratam terceiras. Mais recentemente, em maio de 2011, o texto da
Súmula foi revisitado pelo TST que adequou seu entendimento ao que decidira o Supremo
Tribunal Federal, STF, na Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC nº 16/DF, proposta
pelo Governo do Distrito Federal visando à declaração de constitucionalidade do parágrafo
do artigo 71 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações).
O presente texto debruça-se sobre o processo de alteração do entendimento do TST
sobre a Terceirização, envolvendo aspectos importantes do reconhecimento da legitimidade
dessa forma de contratar e da responsabilização da empresa Tomadora, que se utiliza da
mão de obra contratada por terceiras, assinalando, dentro de seus limites, certos aspectos
desse processo e a dinâmica que permeou a substituição, no TST, do Enunciado 256 pela
Súmula 331. Para tanto, utiliza-se como fonte historiográfica tanto os processos judiciais
estudados nas duas pesquisas, como as discussões que se deram no âmbito do TST entre
seus Ministros e algumas entrevistas com Ministros que, à época, participaram da formulação
do novo entendimento e com o então Subprocurador Geral do Ministério Público do Trabalho
MPT, hoje Ministro do TST.157
Discutir essa dinâmica é importante para compreender tanto o contexto em meio ao
qual a Súmula 331 do TST foi forjada, com cancelamento do Enunciado 256, quanto o
significado da resposta que a Justiça do Trabalho acabou dando à questão e a força dos
entendimentos sumulados pelo TST. Para que mais bem se compreenda esse processo e se
analise como essa resposta foi sendo alterada a partir de certa correlação de forças, em
determinado momento histórico, é imprescindível que se relacionem fatos, argumentos e
forças em disputa de forma contextualizada.
Para tanto, parte-se da compreensão de que o Estado é uma Relação, tomando-se
como referência a Teoria relacional do poder de Poulantzas158: não pura e simplesmente uma
relação, mas uma condensação material de forças. E o Direito se o compreende como
produto cultural.159 Encontrando-se no interior da estrutura social antes de ser posto pelo
Estado, não pode ser entendido apenas como produto das relações econômicas, externo a
elas, como ideologia ou, ainda, apenas como expressão da vontade das classes dominantes
[nesse sentido, como instrumento de dominação]. Sendo nível do todo social complexo a
estrutura social nela se compõe, resultando da sua própria interação com os demais níveis
desse todo.
Especificamente quanto ao Direito do Trabalho160, compreendido como movimento
histórico, também se o toma como Relação: uma relação entre empregador e trabalhador:
156 No subitem a seguir se buscará explicitar o que significa, do ponto de vista jurídico, a responsabilidade solidária e qual a diferença
fundamental entre esse instituto e o da responsabilidade solidária.
157As entrevistas fazem parte da pesquisa ―A T erceirização e a Justiça do Trabalho‖ que fundamenta este texto e que podem
ser consultadas no Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul.
158 POULANTZAS, Nicos. O estado, o poder, o socia lismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990. Ou seja, a condensação material e
específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe. Como o lugar de cada classe, ou do poder que detém, é delimitado
pelo lugar das demais classes, esse poder não é uma qualidade a ela imanente; depende e provém de um sistema relacional de lugares
materiais ocupados pelos agentes.
159 GRAU, Eros R. Ensaio e discurso sobr e a Interpreta ção/aplicação do dir eito. São Paulo: Malheiros, 2002
160 CF. NEUMANN, Franz. Il diritto del lavoro fra democrazia e dittatura. Bologna, Itáli: il Mulino, 1983.

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